A escola de medicina de Salerno

Antes mesmo que surgissem as primeiras universidades ocidentais, a escola de medicina de Salerno já era conhecida. Embora seja difícil determinar com precisão, sabe-se que lá ocorriam atividades de ensino desde o século IX, pelo menos. O estudo e a disseminação dos conhecimentos dos gregos antigos e do Oriente próximo lhe conferiram proeminência e contribuíram para que assumisse a posição de principal centro médico da Europa entre os séculos XI e XIII.

A imagem acima, que apresentamos só para ilustrar, faz alusão à fama da escola de medicina de Salerno. Trata-se de uma miniatura constante no Cânone de Avicena, obra referência para a prática médica durante a Idade Média. Nela, está representada a lendária história de Roberto, um dos três filhos de Guilherme I, o Conquistador. Primeiro rei normando da Inglaterra (1066-1087), esse último possuía sob seus domínios o sul da atual Itália, onde se encontra a cidade de Salerno.

A lenda de Roberto e a escola de medicina de Salerno

Diz a lenda¹ que, no final de 1100, chegou àquela cidade, retornando da Palestina, onde lutou na Primeira Cruzada com o Duque Godofredo de Bulhão, Roberto. Ele, logo após a morte de seu irmão mais velho, Guilherme II, dirigia-se à Inglaterra para herdar o trono. Antes disso, todavia, parou em Salerno para se consultar com os famosos médicos, pois, durante o cerco a Jerusalém, sofrera um ferimento no braço direito, que degenerou em fístula. Eles o examinaram e disseram-lhe que a fístula foi provocada pelo veneno presente na flecha que o atingiu.

A cura, de acordo com os médicos salernitanos, seria apenas possível com sua extração completa por meio de sucção. Esta operação, contudo, causaria a morte daquele que a realizasse. Não querendo arriscar a vida de ninguém, Roberto providenciou, assim, sua partida para a Inglaterra. No entanto, a princesa Sibilla, sua esposa, não se preocupou em expor-se a tal perigo. Durante a noite, enquanto ele dormia, sem que o mesmo percebesse, ela sugou o ferimento até extrair todo o veneno.

A disseminação dos preceitos da escola de medicina de Salerno

Como se trata de uma história demasiadamente fabulosa, muitos historiadores tendem a acreditar que os médicos de Salerno curaram Roberto. Este, antes que partisse para a Inglaterra, manifestou interesse em levar consigo um conjunto de normas para manter boa saúde. Assim, os médicos salernitanos se puseram a trabalhar, encarregando seu mais instruído colega, João de Milão, da compilação e redação. Tais preceitos foram posteriormente divulgados e a ele dedicados sob o título Schola Salernitana.

Ao chegar à Normandia, entretanto, Roberto não pode tomar posse daquilo que a linha de sucessão lhe reservava. Durante sua ausência, seu irmão mais novo, Henrique Beaucerc, havia usurpado o trono. Não sendo possível recuperá-lo, o título de rei anglicano a ele concedido pelos médicos de Salerno não foi confirmado.

A Regra Sanitária mencionada no primeiro verso do Anglorum Regi Scribit Schola Tota Salerni teve, por outro lado, mais sucesso. Traduzida em diversas línguas e sob diferentes títulos, ela ficou conhecida em toda a Europa. De acordo com Capone (2018), são cerca de 200 edições, de 1480 até o final de 1800. A lendária história de Roberto e a fama da escola de medicina de Salerno está retratada, conforme indica a supracitada professora, na folha 210a, do manuscrito 2197, do Cânone de Avicena – em exemplar conservado na Biblioteca da Universidade de Bolonha e datado do início do século XV. Em primeiro plano, à esquerda, há uma mulher deitada no chão e, à direita, uma edificação com torres. De acordo com estudiosos, a miniatura representaria essa lenda e o prédio, a sede da escola de medicina de Salerno.

Notas

1. Baseada nas informações pesquisadas e indicadas nas referências.

Referências

BIBLIOTECA DIGITAL MUNDIAL. O cânone da medicina. Disponível em: https://www.wdl.org/pt/item/9718/. Acesso em: 09/08/2018.

CAPONE, Paola. Il Canone di Avicenna: Anglorum Regi Scribit Schola Tota Salerni. Disponível em: https://wsimag.com/it/scienza-e-tecnologia/40383-il-canone-di-avicenna. Acesso em: 11/08/2018.