Em 1968, uma onda de manifestações sacudiu a França. A insatisfação com o sistema educacional levou milhares de estudantes às ruas, iniciando um movimento que, posteriormente, se alastraria para outros setores da sociedade. Ainda que não existisse uma crise real, motivada por um fato específico, os protestos ganharam proporção impressionante, unindo os segmentos estudantil e operário. Em meio ao ambiente de contestação geral, greves e ocupações, alguns episódios marcaram, inegavelmente, aquele maio de 68 e a universidade francesa.
O início das manifestações
Inicialmente, em março, estudantes tomaram a universidade de Nanterre em protesto contra seu modo de funcionamento. A crítica ao ensino autoritário, ao conservadorismo docente e ao elitismo acadêmico estava, assim como outras, no centro das discussões. Semanas depois, em maio, na Sorbonne (núcleo principal da Universidade de Paris), o reitor à época, com o intuito de interromper uma assembleia estudantil, solicitou intervenção policial, a qual terminou com vários estudantes detidos e o fechamento das instalações da instituição.
A partir desses episódios, o tensionamento, de fato, cresceu. As manifestações ganharam corpo quando estudantes da Universidade de Nanterre marcharam para a Sorbonne e concentraram-se no Quartier Latin. Com o passar dos dias, os confrontos com as autoridades aumentaram e ergueram-se as primeiras barricadas no Boulevard Saint-Michel. A violência foi grande e a polícia ocupou a Sorbonne por uma semana. Contudo, os protestos não cessaram e a revolta se espalhou por diversas universidades.
As palavras de Michel Thiollent permitem compreender, de perspectiva mais ampla, os motivos da insatisfação estudantil e porque o movimento foi forte no meio universitário:
De modo geral, entre os principais temas de contestação universitária, destacam-se: a recusa do caráter classista da universidade; a denúncia da falsa neutralidade e da falsa objetividade do saber; a denúncia da parcelização e tecnocratização do saber; a contestação dos cursos ex cathedra; a denúncia dos professores conservadores ligados à política do governo; o questionamento do lugar que, na divisão capitalista do trabalho, os diplomados irão ocupar; a denúncia da escassez de possibilidade de empregos qualificados […].
Greve, ocupações e desdobramentos
Ao mesmo tempo, o movimento operário, ainda sob o calor das manifestações do 1º de maio, convocou uma greve geral. Em 13 de maio, logo depois de reaberta, a Sorbonne foi retomada pelos estudantes. Também nesse dia, a greve convocada anteriormente teve seu início com a paralisação dos trabalhadores de diversos setores. Fábricas foram ocupadas, transportes e outros serviços, parados.
Embora os protestos tenham perdido sua força inicial e refluído com o passar do tempo – principalmente em virtude dos resultados das negociações do movimento operário com o patronato, que trouxeram ganhos na esfera trabalhista, e das eleições gerais convocadas naquele mesmo mês, que deram larga vitória ao governo do general De Gaulle – os eventos que se sucederam são lembrados, até os dias atuais, como um ponto de inflexão da história recente. Não só na França, mas também em diversos outros países – como Estados Unidos, México e Brasil – governos, autoridades e instituições tiveram que lidar com protestos massivos de rua, que contestavam o status quo e deram um caráter ‘global’ ao movimento.
A estética do Maio de 68 e os muros da Universidade de Sorbonne
No que se refere à relação entre Maio de 68 e a universidade, são muito conhecidas as diferentes formas de expressão e manifestação cultural estudantis. Fortemente marcadas por sua criatividade e teor político, essas imprimiram ‘suas marcas’, sobretudo, nos muros da Sorbonne, que foram eternizadas por imagens feitas à época. Frases como “Não quero perder minha vida a ganhá-la”, “É proibido proibir”, “Nem deus nem mestre”, “Todo poder abusa. O poder absoluto abusa absolutamente”, entre outras abordavam os mais variados assuntos, que iam da sexualidade às relações de trabalho, da política à educação. Questionar a autoridade, os modelos, o pensamento único, o Poder, enfim, toda forma de autoritarismo era o foco principal.
Por fim, pode-se dizer que o Maio de 68 e a universidade estão associados um ao outro em virtude da ampla participação estudantil, sobretudo jovem. Na França e nos outros países onde ocorreram manifestações, a presença desse segmento foi muito marcante e trouxe um ar de renovação no campo político-cultural. A novidade, a criatividade, a crítica ao autoritarismo e às instituições marcaram, inegavelmente, esse movimento ético-estético-político de forte repercussão na sociedade.
Referências
MAI68.ORG. Disponível em: https://mai68.org/spip/spip.php?article5319. Acesso em: 23/02/2022.
THIOLLENT, Michel. Maio de 1968 em Paris: testemunho de um estudante. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, São Paulo, 10(2): 63-100, outubro de 1998. Disponível em: (https://www.scielo.br/j/ts/a/444DQVn33fzbR57dbgDDWWy/?format=pdf&lang=pt). Acesso em: 22/02/2022.